27.10.12

Um cadáver no porta-malas

Hoje de manhã morreu o Zeus. Inexatamente, imprecisamente. Morte parcial, de quem deixa o mundo sem deixá-lo de fato. De quem deixa marcas de dentes nos chinelos e uma porção de meias rasgadas perto do varal. Semi-morte, de quem ainda dorme embaixo da escada e late em dia de trovoada; de quem espanca a janela durante as refeições, até hoje não sei se por comida ou por carinho. Morte de rabo abanando, de medo de chuva, de tapete roubado, de frenesi embaixo da mesa. Sem mais dor, sem mais moscas, sem mais cheiro de morte. Sem a certeza de que o melhor que eu poderia fazer seria levar o meu amigo, perdido no lençol branco do porta-malas, pra tomar uma injeção de fim. O meu melhor foi, afinal, sentar na cadeira verde da minúscula sala com cheiro esquisito, enquanto alguem que certamente não sabia o que estava fazendo o injetava paz. Não doeu, não fez mal. Um cachorro certamente não sabe da própria finitude na hora de buscar qualquer coisa que eu jogue só pelo impulso incontrolável de fazê-lo. Ele não sabe de nada quando bebe água da piscina ou quando cheira a bunda de outro cachorro pra fazer amizade. Ele não faz a menor ideia de que é engraçado quando ele rouba o chinelo do vizinho, faz xixi na roda ou tem medo de gambá. Ele não faz a menor ideia de nada, mas eu faço. E é por isso que eu agradeço pelas risadas, pela atenção e pela lealdade. É por isso que eu nunca vou perdoá-lo por não estar mais aqui. Adeus, amigo.


25.10.12

Rumor

Sabia-se pois se dizia
Que o vento é do mundo
Que o tempo é de tudo
Que a paz não se faz

Dizia-se nas padarias
Nos bancos imundos
Nos bares, nos fundos
Há um tempo atrás

Que a noite é filha do dia
Que o verbo é muito de mudo
Que o raso é sempre mais fundo
Que sempre é quase jamais

Se a vida é toda agonia
A cada suspiro, um segundo
Se o tempo se faz de segundos
É tempo que a vida quer mais

21.10.12

Deixa em Paz

Solta a minha mão de vez
Deixa o meu pranto correr
Que eu cansei de lucidez
E se eu não quero dizer
Deixa em paz minha mudez

Deixa eu ir com a correnteza
Se eu quiser soltar o riso
Se eu quiser subir na mesa
Cê não tem nada com isso
Deixa em paz minha leveza

Tira as tuas mãos de mim
Se eu quisesse ser cuidada
Estaria em teu jardim
Não em pé de madrugada
Deixa em paz meu não e sim

Se eu quisesse opinião
É bem certo, eu perguntava
Mas eu já larguei de mão
Já soltei as minhas travas
Deixa em paz meu coração

Mas eu já não quero mais
Tanto dedo na minha cara
Se te agrada, tanto faz
Uma hora o peito sara
Deixa em paz a minha paz

16.10.12

Minha Preguiça Poética

Me deixa brincar de ficar
Me deixa deixar de acordar
Eu quero ficar de pijama,
Quero minha cama
Pra me afagar

Eu vou enrolar o dia inteiro
E prender o cabelo pra não pentear
Eu quero viver de preguiça
E não tem premisssa
Que faça mudar

Eu sou por demais fatigada
Pra me incomodar com o seu mimimi
Desculpe-me, estou ocupada
Estou embolada
Preciso dormir

Eu nao vou passar meu perfume
Não vou me vestir e não vou levantar
Não há ninguem pra reclamar
Então sem problemas
Se eu deixar pra lá

Eu tenho preguiça de rima
Preguiça de verso e de filosofar
Ainda está cedo pro mundo
E nada profundo
Vai lho agrar

Então é melhor deixar quieto
Que é o jeito certo de esclarecer
Que o bom da poesia é o ócio
E o bom é que eu posso
Não me resolver


Porta Aberta

Dos teus olhos esmiuçados
Eu só quero o cheiro da blusa
E das noites e dias de nada
Só devolva-me os abraços

Do carinho que eu lhe tive
Jogue fora o que não serve
Mas salve consigo pra sempre
Os trajetos dos meus dedos

Deixe ao lado minhas rimas
Deixe estar, deixe pra lá
Nunca lhe pedi afeto
E, de fato, não penar

Deixe em paz meu choro manso
Que eu perdôo sem pensar
Meus caminhos amiúde
Nunca mais vais explorar

E se um dia divagares
Podes vir bem devagar
Só não peça-me o que teves
E não soube desfrutar

15.10.12

Sobre o Amor e o Desalento

Nada é tão irreversível 
Quanto o desamor
Nada pode ser passível
De tamanha dor
E por falar em ter amor
Quem sabe dizer
Quanto sabe e quanto falta
Pro amor perecer
E se nada é exato assim
Um ponto final
Pode ser pra mim, enfim
Um cartão postal
Do que eu podia ter sido
Mas no fim não fui
Por direito ou desapego
Do que se conclui
E que fosse o desalento
Uma forma tal
De abarcar o sentimento
Sem viver igual
E que quem tenha vivido
Possa enfim dizer
Que não há quem viva um amor
Sem se ver morrer

13.10.12

Versos Singelos da Tua Partida & adeus

Quem você pensa que é
Pra chegar feito carnaval
Que faz festa e arrepia
Que é feliz noite e dia
E é só cinzas ao final

Não foi só você, mas fui só
E independe de quem começou
Se eu sou festa e cinzas no fim
Se você já não gosta de mim
Quem sou eu pra dizer que acabou

Quem você pensa que eu sou
Pra ir embora feito fim de noite
Que ninguem diz adeus propriamente
Que não sabe o que sente ou não sente
E talvez da manhã ninguem note

Mas agora eu quero saber
Se você pensa que eu sou criança
Que com um doce já fica feliz
Que não sabe do próprio nariz
E no fim o que sobra é pirraça

E eu nem ligo pra sua partida
Só queria ser mais do que resto
E nem faço questão que admita
Que afinal eu nem fui tão finita
E que eu não sou só um objeto

Anestesia

Os dias que passam parecem sem cor
E os meus pensamentos assemelham telas
Meus olhos só sabem do que nunca viram
E o resto do mundo eu só sinto em parcelas

Letargicamente eu esboço sorrisos
E, por empirismo, me cravo em penar
E, por compaixão, eu choro ao dormir
E, por estar longe, eu não quero acordar

Se é chuva ou se é sol já não faz diferença
A não ser que uma nuvem venha me levar
Pra outros abraços e outros sorrisos
(E que dessa vez eles sejam gratuitos)
Pra que eu possa, enfim, me deixar espalhar

Mas não, não sou triste
Feliz tambem não
Só quero saber até onde vai dar
Pra ser desse jeito sem ter de explicar
O limite entre o eu e a total omissão

10.10.12

Hipótese de Mim

Mas e se eu não fosse sozinha
Se não fosse nervosa, se eu fosse na minha
Se eu fizesse as coisas que o mundo dizia
Seria eu feliz?

Se o que tenho em mim fosse pouco
Se fosse certinho, sem nada de louco
Se meu peito amiúde se tornasse oco
Daria pra ser?

Se eu não estivesse cansada
De tanto acertar nas ideias erradas
Sentasse e esperasse por tudo ou por nada
Seria melhor?

E se fosse eu calmaria
Se eu não carregasse comigo agonia
E se fosse fácil me ter todo dia
Você me amaria?

7.10.12

Meio a Mercê

Brasilis
Pra variar, quero eternizar
Um canto escuro, um fundo de bar
Quero explicar o céu pra você
Meias palavras, meio à mercê

Um fim de noite, um canto pra nós
Lua na espreita à espera de nós
Um livro em branco, nada a perder
O meu cigarro, o teu laissez-faire

Teus olhos negros, teu passo errado
A noite mostra o bom do pecado
Duas cadeiras, um passo em falso
Tantas maneiras de ser culpado

Arrepiado, eu espero teus braços
Bem devagar teus dedos e laços
Teu riso zomba do meu fascínio
Eu sou sujeito ao teu particípio

Pra variar, quero deixar no ar
Por um segundo, por um olhar
Nada a declarar, tudo a perceber
Mais um cigarro, mais um clichê

Tanto volume, nenhuma nota
Nós dois viramos uma aposta
Os teus sussurros no meu ouvido
Teu jogo já começa vencido

Dissimulado, lhe assisto o fumo
Nossos desejos mudam o rumo
Teus olhos fitam o invisível
Tua maldade é quase sensível

O vento quente nos teus cabelos
A compostura dos meus apelos
Meus pensamentos tão inexatos
Nas entrelinhas do teu contrato



 






3.10.12

Quebra-cabeças

Não peço teu apreço
A tudo que te impeço
A tudo o que não foi
E nem seria, ao certo

Só quero teu afago
Teu peito transbordado
Teus olhos pra me verem
Ferir-te com cuidado

Eu quero só descanso
Um jeito bem mais manso
De um peito calejado
Seguir sem tanto ranço

E antes que eu me esqueça
Não pense que sou dessas
E nem tente montar
O meu quebra-cabeças

Desculpa por querer
E por me desculpar
Mas vai que um dia desses
Eu volto, pra ficar