26.12.10

Odisseia

Pelos teus flancos fui poeta.
Profetizei a tua beleza em carne,
Reescrevi o teu encanto em dor,
Colonizei a tua mente escassa
E declarei ao tempo o meu amor.

Pelos teus toques fui músico.
Assoviei teu corpo exato em lá,
Admiti meu pandemônio em dó,
Compus teu canto em notas magistrais
E me calei de encontro ao teu melhor.

Comtemplando a tez das tuas ancas
Aceleradas e mecânicas amiúde
Confiei em minha plenitude,
Fui poeta, fui músico e fui rude,
Fui tanto que no fim fui só.

Cais

A água-viva morta na areia
A onda morta na baía viva
A água-viva viva na água
Água a vida na baía morta

A menina viva morrendo de dor
A dor menina morrendo de água
A água morta morrendo de vida
E a água-viva morta na praia

Na areia suja o cadáver de água
Na água suja o cadáver de areia
Na mente viva o cadáver de ideia
Da sujeira que pinta a defunta praia

16.12.10

Interseção

Teu timbre sussurra a melodia estática dos meus pés ofegantes
Enquanto me assalta os ouvidos com juras eternas de timbre.

25.11.10

Radar (ou a Triste história da Lua que morreu no Oceano)

Enquanto escutar o atlântico zumbido
de oxítona onda a rachar no sonar
Hei de amestrar o inato grunhido
que invade-me o sono e perscruta-me o ar

Se esboço quedar-me um sorriso contido
Se quisera-me outrora e em outro lugar
A espuma da quebra e da quebra o sonido
do vento trancado no tempo de amar

Meu corpo reage ao teu toque tímido
E teu corpo nem pensa em parar de tocar
E em corpos termina-se o amor mal escrito
Que nasceu na praia e morreu no mar








18.10.10

Ser só

I.
Errante, sondava as faces indóceis
dos corpos mil que não eram teus
O carater invasivo do som nauseante
de passos constantes, que não eram teus
Os sibilos alegres que entoavam amar-me
em acordes abstratos e canticos caricatos,
em oitavas imóveis e cirandas ignóbeis
em harmônicos pedintes e cantigas cortantes;
de lábios marcantes
que não eram teus.


II.
Meus, pois, são os lábios que calam teu limbo
e beijam teu corpo em pacto zodiacal com o firmamento
os passos malandros que me denunciam vassalo
e arrancam-te da rotina insondável de serdes mulher.
E os dedos que te desenham todas as formas,
esses só poderiam ser meus, uma vez que só eu
conheço o total das tuas formas e das tuas morfoses;
eu conheço tuas frontes, teus versos, tuas prosas.
Pois guardo-te em mim com prumas e pompas
Na rotina insondável
de sermos um só.

28.9.10

Strambotto

Senhora do meu semblante
Que ministra à vida o seio
Etérea fada em devaneios
Inexorável sepulcro do fel

Quimera a quem impinjo côrte
Guardo avesso ao teu sorteio
Cada um dos teus anseios
Tão modestos quanto o céu

Quem dera poder cegar-te
E proibir teus pétreos olhos
De correr de encontro aos meus

Pudera eu tender à sorte
De um acaso vil-simplorio
Desbotado em teu adeus

Esgotado junto à morte
Logro o corte do teu ser.

24.9.10

Sobre o Segredo

Com todo o meu respeito
Clamo por nada menos que o teu consenso
Teu bom senso, teu carrasco
Fosse eu capaz de fazê-lo
Comer-te-ia o espaço
Cometê-lo-ia ao calor

Com todo o meu respeito
Afanar-te-ia os pensamentos
De forma a deixar-te cocho
E pleno por mim plano por si
Restar-lhe-ia alma e sabugo e revés

Com todo o meu respeito
Tiquetaquear-te-ei com palavras
Fazê-lo-ia ainda que não fosses tu
Ainda que não sussurrasse sentido
Como parasita em pedra

Amar-te-ia até os nervos
Dos dedos morrer-te-ia sozinho
Desavisado trancar-te-ia em mim
Em si com todo e nada mais
Que todo o meu respeito