26.3.12

Não Ser

Os olhos fecham-se.
Do jeito com que se fecha uma janela enferrujada
Como se estivessem enferrurajados, gemem,
pois pro cansaço não há paz que satifaça.
Não há tormenta que não durma,
ou demônio que não acorde
Dormindo ao sabor do barulho da rua
ou de qualquer outro sabor de noite
Nós balbuciamos qualquer coisa tola
e dormimos pra tentar sonhar
Nós nos ninamos sem dizer palavra
e nos amamos antes de acordar
Nós dormimos com o vazio
E o vazio dorme conosco.

8.3.12

Despretensioso, finalmente

Um grilo enche o saco na janela
E algum cachorro late por aí
O relógio diz duas, mas são três
Eu vou na varanda, de quando em vez
Eu leio o meu livro e abano a fumaça
E sento no chão, sujo como sempre
tentando entender o tempo que passa
tentando esquecer o tempo da gente.
O vento só bate essa hora do dia
Porque quando é dia o sol queima brabo
Eu penso demais e pensar me entedia
Eu fico sozinha esperando o cansaço
Às vezes me canso e vou me deitar
Daí eu me deito e não posso dormir
Me lembro de tudo que tem pra lembrar
e esqueço de tudo que tem pra sorrir
Escrevo um textinho sem pompa e sem sal
e falo da vida só pra distrair
queria levar até o final,
mas eu finalmente preciso dormir.

5.3.12

Esperar

Eu olho pro teto, eu espero
Escrevo, leio, esqueço,
Espero.
Eu não sei pelo quê espero
Me descabelo, me condeno
Espero.
Impaciente, desesperada
Pela rejeição pressuposta,
Pelo meu próximo erro imperdoável,
Pelo pico de alegria,
Pelo lapso de tristeza,
Inexoravelmente espero.
Não entendo e não me iludo,
não me calo e não me acudo,
não me perco e não me acho,
Espero.
Na esperança de não esperar mais.
Não é tristeza, é só espera,
por algum evento que justifique a ânsia.
Não é nenhum vazio melancólico,
só é um vazio verdadeiramente vazio.
Eu não quero e não pondero,
Eu não falo e não reclamo,
Eu não sei e não me julgo,
Eu não odeio e não amo.
E enquanto isso eu espero
Por qualquer coisa de humano,
por um motivo pra entender.
Eu sorrio
e espero.

4.3.12

Catarse

O dia de chuva,
As costas na cama,
Os pés nus na areia,
As mãos de quem ama.

O encontrar dos lábios,
A beira do abismo,
O vento no rosto,
Aquele sorriso.

O mergulho no mar,
A noite estrelada,
O auge da festa,
O delito velado.

O fôlego tardio,
A tangente do mundo,
O doce da lingua,
O raso do fundo.

A epifania secreta,
A catarse da entrada,
O empirismo do ser,
O ser e o nada.

O anseio do mundo
Por nada e por tudo
tal qual o claro
anseia o escuro

Assim como o toque implica no beijo
E a cumplicidade espera o olhar
Assim como o quase pretende o zero
e assim como o céu almeja o mar.