22.8.12

Conto de Dois

Nos teus olhos macios celebraria
A insondável arte de serdes eterno.
Ainda que a vida nos privasse do sempre,
E que o nosso tempo se reduzisse a zero.
Os nossos dias seriam de sol,
Mesmo se a chuva caísse lá fora.
E as coisas do jornal e do futebol,
Não chegariam nas nossas cobertas.
As horas seriam um regalo do mundo,
E o mundo seria um pedaço de Nós,
Os nossos suspiros seriam tão fundos
Que o ar cansaria dos nossos pulmões.
Os auto falantes das nossas janelas
Tocariam a melodia do mar em Lá
Pra ninar-nos independente das horas,
Que o relógio do canto insiste em marcar.
Acariciarias as minhas cicatrizes,
e explicá-las-ia como memórias
- Impessoais e quase insignificantes -
de um passado que já não nos importa.
Saudaríamos o tempo em que fazemos história
E a cama em que fazemos leito, enquanto
Riríamos frente à estúpida pequenez do universo.
Dividir-nos-íamos percalço a percalço,
E algumas noites seriam só silêncio.
Os nossos armários encheriam-se de poeira
E lágrimas, e músicas, e memórias, e sonhos.
Mas voltarias. Crisparias os teus eternos braços ao meu redor,
Como que em desculpa pelo tempo em que estivemos separados.

20.8.12

Maré

As ondas da praia levaram seu pranto
E a noite levou o que a espuma não traz
A bruma dos sonhos que morrem no mar
E os beijos que foram-se pra nunca mais

 A lua deitou-se e esqueceu-se do brilho
Deixou-a sozinha, e sozinha chorou
Na areia da praia ficaram seus risos
E em seu rosto ficaram as sombras de amor

Será que ele volta? Se volta, ele vem
Será que vem mesmo? Se vem, vai ficar
Não sabe se fica, nem mesmo se vem
Mas todos os dias pedia pro mar

Um dia, como ninguem sabe dizer
Eu penso que deve ter sido o azar
Que disse pra ela o que não há de haver
Mais triste em qualquer que se quede o lugar

Seus olhos encheram-se como maré
E inundaram seus passos como maldição
E agora ela é só, como outra qualquer
E agora ela ouviu o mar dizendo "não"

15.8.12

Esconderijo

Sei que aqui, em algum lugar
Hei de ficar, pra não voltar
Hei de morrer, pra não dizer
Que vou voltar.

Neste lugar hei de morar
Hei de esquecer de céu e mar
Hei de morrer, pra não dizer
Que tenho um lar.

Tudo o que quero, lá está
Mesmo em Pasárgada não há
Hei de morrer, se não clamar
Pelo meu lugar.

13.8.12

Pouco Samba, Muito Samba

Meu samba é pouco
É cansado e é insosso
É miúdo de sufoco
É pra ser um samba só

Pouco, mas de leve
Um par de loucos
Bate lata e bate rouco
Só pra ver o samba só

Ai ai, vem ver
Um sambinha de quintal
Botou água no feijão
Virou  hino nacional

Eu quero ver
Quando o mundo for sambar
Quero ver quem vai sobrar
Só pra me contrariar.

Quando o mundo for sambar
Quero ver quem vai gostar
Só pra não deixar passar.

10.8.12

Sinuca de bico

Um beco fechado
Escuro, vazio
Um passarinho
Fora do ninho
Um dia de chuva
Sem teto ou beiral
Quatro paredes
Num dia de sol
Mil andorinhas
E nenhum verão
Metros de jardim
E nenhum botão
As fases da lua
Sem mar pra guiar
Um dia de valsa
Sem som e sem par
Estrela cadente 
No amanhecer
A fuga sem ter
Pra onde correr
As minhas mazelas
Sem ti pra afagar
As tuas costelas
Sem mim pra chorar
Um mundo de mim
Pra nenhum você
As nossas cobertas
Sem Nós pra aquecer.

8.8.12

Teus Passos

Sai por essa porta,
Pra nunca voltar.
Não pensa que passa,
Pois não vai passar.
Não pensa que é tudo
Da boca pra fora,
Não pensa que vai,
Mas que não demora.
Por todo esse tempo,
Por tantos avisos.
Por todas as pernas,
E todos os risos.
Pelos teus abraços,
E pelos sentidos,
Por todos os dias
Que estive contigo.
Juraste por tudo
E erraste, contudo.
Deixou-me com nada
E alguns absurdos.
Gritei teus segredos,
Pisei teus sapatos,
No piso do quarto,
Fugi dos teus passos.
Chorei teu perfume,
Cheirei tuas cinzas,
Morri de ciúmes,
Das suas camisas.
Deitei-me na beira
Da cama não feita,
Pra ver se teu cheiro
Ainda me aceita.
Cansei de ser tua,
Cansei de não ser.
Procurei nas ruas
Um alguém você.
Mas ah, quer saber...
Mas vá, pera lá...
Sai por essa porta,
Pra nunca voltar.





5.8.12

Quem sabe

Com Pedro Jardim
Talvez eu seja isso tudo
Um mero vagabundo
Um sujo morimbundo
Quem sabe...

Talvez seja uma fase
Que no peito arde
O coração em partes
Quem sabe...


Talvez um dia desses
Os dias viram meses
E eu vivo para sempre
Quem sabe...


Talvez ser tão errado
Me salve de ser salvo
E de ser olvidado
Quem sabe...

Talvez eu seja sim
Início, meio e fim
E se eu seguir assim
Quem sabe...