30.6.12

Entreposto

Com Renan Furtado

Eu quebro os dias em horas fundas,                                    
Fundo os dias em horas rasas
Crio em poucos momentos, 
Grandes lástimas.

Conto a vida com pouca voz,
Em peito vago,
Digo a palavra em mão atroz
E coração estático.

O meu tempo arrasta-se lento
Condenado ao ócio,
Meus risos logram da antítese
Eterna com meu coração.

Sinto no mundo o frenesi,
As ideias, os caminhos,
A inanidade de ser eterno,
Entreposto.

23.6.12

A noite do gato

Um gato malhado,
Em cima do muro,
Pulando telhados,
Taciturno.

E o gato, silente,
Debaixo de chuva,
Miava na noite,
Viúva.

Noturno felino,
Pingando de praga,
Nem pensa em destino,
Naufraga.

Nas ruas maciças,
Gemia o gatinho,
Com fome e preguiça,
Sozinho.






15.6.12

Fundo

Eu vivo em eterno sufrágio
Por vício, virtude ou labor
Eu morro em gentil sacrilégio
E, morta, eu vivo de amor

Eu morro a cada suspiro
E a cada pergunta no ar
Mas quando anoitece, eu vivo
Mas vivo sem dó de matar

Sem morte, nem vida, nem riso
Sem queda, sem sono, sem ar
Eu morro-te, amo-te, vivo-te
E esqueço-te assim que calhar.

O que tem pra hoje?

Com Pedro Jardim
Pra hoje não tem poesia
Nem tem quem queira cantar
Pra hoje, só um resto de vida
E um canto pra nela pensar

Pra hoje não há mais nem tempo
Pra hoje só tem solidão
Não há mais o frescor do vento
Nem há quem não sofra em vão

Hoje o sorriso foi substituído
E o sono foi logo roubado
Por um coração deprimido
Por um roto e murcho legado

Pra hoje não tem bebedeira
Pra hoje não tem sim nem não
Pra hoje não tem quem me queira
Pra hoje só resta a canção

Pra hoje, só a melancolia
Não há carinho ou abraço
Pra hoje só sobra agonia
E, junto, meu peito esmagado

Hoje, não sei pra onde vou
Tampouco sei de onde vim
Só sei que pro dia de hoje
O resto do resto é meu fim

14.6.12

Acomodada

Teus versos já senis
Teu riso já cansado
Teus olhos tão calados
Me embebem em frio e luz

Teus braços esfriados
Teus passos tão errados
Teus dedos agitados
Me abraçam em sofridão

Os teus eternos braços
Perpétuos olhos rotos
Enfim, sutil sorriso
Me abarcam os sentidos

Teus tenros sentimentos
Teus jovens pensamentos
Teus nítidos suspiros
Me aceitam como sou

6.6.12

Contra Mão

Tu vinhas tão solto e silente
Que eu vinha, mesmo sem razão
E fostes, assim de repente,
Embora com o meu coração

Eu vinha tão certa e tão feita
Que nem cogitei te encontrar
E, sem levantar suspeita,
Tu vinhas tirar-me o lugar

Tu vinhas em forma de luz
Eu vinha como que sem ar
Enchia-te os olhos gentis
Tu vinhas, então, pra deixar

Eu fui como quem não quer nada
Tu fostes como quem nem nota
E, juntos, nós fomos calados
Como quem não sabe o que falta




5.6.12

Toque

"Deixa o teu corpo entender-se com outro corpo.
Porque os corpos se entendem, mas as almas não."
- Manuel Bandeira

Espero-te como o tempo espera a ação
Inócuo e intrépido o tempo espera, assim
Espero-te como o dia espera a noite
E, sem esperança, o dia espera por mim

Eu ardo em chamas como arde uma fogueira
Que, de manhã, só sabe à brasas e fumaça
Eu ando só e ando sempre derradeira
Eu ando triste porque sei que a vida é rasa

A vida, inerte, cabe em si, mas não no mundo
A minha, ao menos, cabe em versos e palavras
Eu deito, enfim, no escasso fim de um mar profundo
Eu choro mar, respiro céu, não digo nada

Tu vens, enfim, tirar de mim algum sorriso
Sorrio então, como que em abreviação
Esqueces tudo e sabes lá o que de mim
Mas vais lembrar e eu, enfim, vou dizer não.



Olhos de Luar

Com Pedro Jardim

Nas tramas da noite a gente padece
Do tempo que une meus olhos aos teus
Entre um chopp e outro a gente se esquece
E se afoga nos versos que a vida nos deu

A lua nos mostra quem somos de fato
E abraça nós dois como quem sente falta
A gente se embola nos passos trocados
E volta pra casa com a noite já salva

Em casa é tudo de novo, eu penso quase sem dor
Em tudo que a gente disse e tudo que a gente pensou
Chega a noite, o dia acaba, e resta-nos só o ardor
De tudo o que a gente leva pro dia que, enfim, raiou


Convite

Com Pedro Jardim

Cada caso, um acaso
Se não hoje, depois
Um novo dia, um novo passo
Uma nova história a dois

De manhã, sem vontade
Já na tarde, avidez
Pela noite, a saudade
Do que o dia não fez

Entre um olhar e outro
Entre um riso e um mês
Um manso verso disposto
Nos arranca a mudez