18.5.12

Permutação

Já não falo de amor a esta hora
Já não quero brincar com você
Meu amor já não brinca há muito
E você já não fala em querer

Já não espero que o tempo entenda
Que a noite é uma criança chorona
Pois, chorona, eu espero a noite
E entendo que o tempo é criança

A música de sempre não toca
E os olhos abertos não vêem
Mas eu toco os olhos em sempre
E a música se abre pra mim

Num compasso sem passo e sem fim
Eu me embalo, talvez meio errada
E errados, os passos me embalam
Para o fim, talvez no compasso

Tu abres o peito e me abraças
Eu sufoco calada e choro
No sufoco do teu sempre abraço
Eu choro em teu peito calado

13.5.12

Soneto de um dia de chuva

O tempo floresce, já todo calado
Cansado de sol, exausto de prece
Nublados do céu que o tempo enaltece
A chuva colore a dor e o asfalto

As gotas se embalam, lavando o pecado
Dançando no céu que a água embranquece
A chuva só traz do que a noite padece
Em branco leitoso do céu, já molhado

Envoltos em sol e cheios de céu
Os pingos se embolam e trazem, inertes
Um pouco de luz e um mundo de fel.

Em uni-oração, no tescer do véu
A chuva só quer que o tempo desperte
Um pouco de tudo, como um carrossel






12.5.12

Resto de Bar

Só mais umas mesas;
Mais uma rodada;
As cadeiras viradas;
É hora de ir.

Converso animada,
o tempo inexiste.
Descanso calada,
nem chata, nem triste.

Eu sento de lado,
Os olhos aguados,
Sorrindo pro nada,
Mais sim do que não.

Eu falo bem alto,
nem ligo, nem noto.
Aqui, tudo bem;
Não tem solidão.

A gente só fala,
E ri, na calada.
E a gente se cansa
da imensidão.

Só mais uma mesa;
Mais umas rodadas;
A gente se abraça,
E chama o garçom.

7.5.12

Romance ideal

A valsa suave dos teus dedos
Me percorre até o fim da memória
Nós sorrimos, encarcerados em nós
E saudamos o escasso mundo

Nossos olhos entrelaçam-se
Nossas bocas imploram mais
Enquanto nos separamos a ermo
Na eternidade do resto do dia

Eu chego já tarde e já triste
Tu chegas dançando sem par
Me chega ao teu peito, e gritas
Escarnecendo a minha ausência

Nós gritamos de tanto saber
De ciúme, de raiva, de dor
E, ternos, nós vamos dormir
Eternos em sonho dolente

Presos em sonho e em um
Nós vamos enfim nos deixar
Tu vais, de volta ao nunca
E eu vou, pra nunca voltar





Canção de Ser

Eu nunca pedi pra dormir
Nem pedi pra sorrir
Nem pedi pra viver

Eu nunca quis tê-lo pra mim
Ou neguei sonhos pra mim
Nunca fui um só ser

Não maldisse a noite lenta
Nem maldisse os teus enganos
Nunca expus minha alma isenta
Nem neguei calor humano

Ao meu corpo eu já neguei
Por mil vezes a saudade
Escondi no meu sorrir
Toda a paz da eternidade

Toda clara e turbulenta,
Minha juventude em flor
Se trancou nas horas lentas
De mil noites sem sabor

Não sou triste nem feliz
Não espero compaixão
Eu não agonizo a vida
Nem a vivo como em vão

Eu gosto de estar aqui
Mesmo se digo que não
Aqui eu não custo a sorrir
E trago a minha canção

Em ser triste e ser alegre
Ou ser feliz e não ser nada
Eu quero mais é ser triste
Na alegria da alvorada

E é por isso que canto
Em versos pobres e loucos
Ritmados em meu peito
Pelo meu coração rouco.

Submersa

I.
Eu afundo perpétua
As roupas molhadas
As faces lavadas,
O ar que respiro
É uma piada sem graça,
Suspensa no enleio.
Bebo mais um gole
Que me force um sorriso
Sorrio inócua e bebo mais um;
Como se entendessem tudo
Meus cabelos se enroscam,
E minhas faces coram.
Meus lábios maldizem,
Meus passos se cruzam,
E eu estou bem.

II.
Meus olhos pesados,
Já bem mareados,
Precedem o fracasso;
Fatais e inocentes
Não merecem, de fato
O regalo que trago
De um pouco de tudo.
Inertes, os olhos
As mãos agitadas
Velados, os sonhos
Destinam-se ao fim
O início de tudo
Perpétuo, do mundo
Pesado, de mim
Meu corpo reage
E tenta fugir
Do baque da queda
Estou presa em mim
Um poço sem fundo,
Pesado do mundo
E perpétuo de fim.

2.5.12

Radar II

E até as sereias calaram seus cantos
Frente ao sepulcro do insípido amar
Secaram-se os sete mares de pranto
Findou-se a onda a rachar no sonar

Em meio aos ventos e aos desencantos
A noite deitava-se em golpes de olhar
Choravam estrelas ao fim de seu leito
E o dia outorgava seu tempo de mar

Separam-se os corpos ainda queimando
Em lágrimas de sal e gotas de luar
Na praia termina-se o lívido conto
E, lívidamente, deleita-se o mar.